sábado, 15 de agosto de 2009

227- A honestidade

e, se no entanto nossa honestidade vier a se cansar e suspirar e esmorecer e nos achar duros demais, desejando vida melhor, mais fácil, gentil, como um vício agradável: permaneçamos duros, nós, os últimos estóicos, e enviemos em sua ajuda o que possuímos em nós de demoníaco - nosso nojo ao que é grosseiro e aproximado, nosso nitimur in vetitum (lançamo-nos ao proibido). Nosso ânimo de aventura, nossa curiosidade aguda e requintada, nossa mais sutil, mais encoberta, mais espiritual vontade de poder e superação do mundo que adeja e anseia cobiçosa pelos reinos do futuro - ajudemos ao "nosso Deus com todos os nossos Demônios"! É provável que por isso que sejamos incompreendidos e confundidos: que importa! "Sua honestidade" é seu demonismo e nada mais, dirão. Mas que importa! E mesmo que tivessem razão! Todos os deuses até aqui não foram demônios rebatizados e santificados? E o que sabemos de nós afinal? Como quer chamar-se o espírito que nos guia? É uma questão de nomes. Quantos espíritos abrigamos? Nossa honestidade, nós espíritos livres - cuidemos para que não se torne nossa vaidade, nosso adereço e arabesco, nosso limite, nossa estupidez! Toda virtude tende à estupidez, toda estupidez á virtude. "Estúpido até a santidade"dizem na Rússia - cuidemos que, por honestidade, não nos tornemos santos e enfadonhos! A vida é curta demais, para nela ainda - se enfadar? Seria preciso acreditar na vida eterna...

Nietzsche, Friedrich Wilhelm, 1844-1900
Além do Bem e do Mal, p.119

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