segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Batalhas acabam porque a guerra é para sempre.

A gente nunca entende certas coisas até que elas aconteçam com a gente.

Era uma bela manhã de sol. O que não era belo? Duas listras. Estava grávida e testes de farmácia não mentem quando você mesma já sabe a verdade.
A única pessoa em quem você pode confiar é o reflexo no espelho. Não duvide: o choro é real e dói. Estava fodida. Literalmente.
Nessas horas que se seguem, o misto de raiva e pavor confundem o riso, turvam as órbitas, falta-lhe o ar. Transbordam-se os gritos ecorrendo-lhe pelo ventre. Alisa-o. Analisa-o de perfil. Barulho de ralo escoando me lembra aquele silêncio. Era eu e ele e mais ninguém. No banheiro e em todo lugar.
Como livrar-se de um sentimento, de um erro, de um fato? Como livrar-se da prisão que de repente se apossou de mim e era encarada pelos demais seres humanos como o milagre da vida mas interiormente era minha própria sentença de morte? Feita por mim, feita à dois, resultada em três. Eu mal sabia quem eu era e já teria que desistir de mim mesma. Caso contrário, não havia.
Procurei desesperadamente soluções. Nosso cérebro é capaz de elaborar teorias incríveis para aliviar nossa alma. Chás, poções mágicas, kit aborto vendido via sites obscuros, receitas falsas, opiniões falsas. Uma delas foi a de fulana que dizia ser minha amiga e eu teimava em acreditar. Dizia que o famoso remédio para abortar havia mudado de fórmula e eu poderia além de não abortar, morrer por sangramento ou pior, ter de gerar um feto defeituoso e blábláblá (coisa completamente mentirosa visto que foi esse o medicamento que me salvou do suicídio).
Uma outra amiga me "confortava" dizendo que ser mãe não é um pesadelo ao passo que me confessava arrepender-se por ter descoberto sua gravidez tão tarde, pois tiraria também. Cada vez mais confusa, eu desabava igual madeira. Com a diferença de que uma árvore não pode ficar prenhe.
Pegamos as bikes e fomos até a casa do cara que ficava. Ele era nosso amigo, e porque não, o único adulto ali. Ele tinha 43 anos e eu 23. Era preciso conversar com ele, afinal ele era experiente. A praia estava linda, os jardins floridos e o vento batia em nossos rostos rumo à casa dele. Sentada no cano da bike eu só murmurava comigo a possibilidade de cair dela, rolar até o asfalto afim de que alguma boa alma, me atropelasse com seu automóvel. Voltava à realidade e sentia inveja das outras garotas que passeavam com seu cachorro, despreocupadas. Como eu invejava suas menstruações, absorventes e cólicas! Quiseera eu estar no lugar delas. Com tudo no lugar. No lugar e com tudo! Contudo, lá estavamos nós. As meninas me levando e eu levando um feto. Um problema que, ironicamente, não se dá pra levar com a barriga.
Véspera de Copa do Mundo. Brasil vesus Coréia do Norte jogando na terça-feira. Segunda-feira e eu jogando bosta no ventilador. Quanta merda você é capaz de fazer no mundo? Eu só agradeço por fazer e descobrir quando o paísl pára. As emoções, desculpas e saídas ficam mais acessíveis. sorte de azarada é reconfortante.
Depois do primeiro enjôo torna-se tão óbvia a tragédia que , a menos que você seja uma idiota, torce para morrer. Eu já pensei em me matar algumas vezes mas, veja bem, até então são só pensamentos. O problema é quando o pensamento vira ideia fixa e essa ideia transforma-se em obssessão. E todo dia de manhã (após uma noite torturantemente mal-dormida) precisa vomitar em silêncio. Chorar em silêncio. Desabafar em silêncio. Porra! Que se dane a merda de realidade, vou me calar de uma vez por todas tomando algum veneno - de planta, que tem no armário de serviço- Sim! é disso que preciso.
Não vale a pensa continuar quando o que nos move é retirado, eu pensava. Sentia que minha liberdade tinha se ido pra sempre e imposto em seu lugar, a tirania. Aquele feto era um inimigo e não há diálogos com um ditador, muito menos direitos humanos. Principalmente quando está dentro de você, no seu próprio umbigo!
Prometi olhando para o frasco, que lutaria com unhas e dentes para retomar as rédeas da minha vida. Eu as havia perdido por um segundo antes de por a camisinha, antes de sentir prazer, antes de alguém conseguir gozar. Desastres acontecem mais rápido do que se imagina. Aliás só é um desastre depois que a merda acontece e isso prova o quão veloz são os infortúnios. Só existem, você só se dá conta, no momento "após". Duante não. É foda! E não me venha dizer, hoje em dia, "se fosse foda tava bom"...
Eu nunca mais vou transar! Peguei nojo de pinto! Vou virar lésbica depois disso - são algumas frases que você pode dizer aos outros e a si mesma. Você jura de pé junto e elas são verdadeiras, no momento. Não que eu tenha me envolvido com alguém depois de toda essa odisseia. Tampouco beijei outro rapaz até então. Acho que estou no freezer. Sem querer.
Me tornei mais segura, sem dúvida, na hora de lutar por meu objetivos, afinal, venci uma batalha. Em compensação, me sinto menos feminina. Como se tivesse perdido o brilho, o entusiasmo por relacionamentos. Apesar de querê-los eu maltrato os garotos que não têm culpa de nada só porque possuem um pinto desastrado no meio de suas pernas. Fiquei crítica demais em relação à eles. Tenho medo. Medo de estar me tornando um ser amargurado sem saber. Porque quando você é rancorosa nunca percebe, só quem conheceu o seu "antes", consegue notar.
Eu poderia lhes dizer que valho a pena, sou bacana, inteligente e atraente. Mas, de que adiantaria tudo isso quando se esconde um segredo desse calibre? Não posso ignorar meu passado pois ele me açoita dia após dia. Calma, eu já me acostumei à isso. Como enxaqueca. Uma hora convivemos com ela ainda que pulsem as veias, as tempôras, as lembranças...
Também não direi ao infeliz que, porventura me aceitar, tal como sou, o quanto sofri. Poupei-me a vida inteira de um possível fardo, então para que haveria eu de viver um erro que já fora solucionado? Não não é do meu feitio, mesmo porque quem me conhece sabe que continuo fazendo piadas com a mesma velocidade e debochando da vida com a mesma necessidade. A felicidade continua a mesma. O que mudou foi a intensidade da tristeza.
Tenho uma baita vida! De verdade! Agora escrevendo vou me conscientizando do valor a que ela merece e a que devo me dar. Quantas gostaria de estar no meu lugar, prenhes ou não. Eu só preciso um pouco mais daquilo que se põe na comida para dar mais sabor, como se chama mesmo...Amor?
Talvez seja dando que se recebe. Mas, com um agravante:
se for dar, proteja-se!
E é só.